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Câmara discute proposta que prevê Código de Defesa do Contribuinte

Câmara discute proposta que prevê Código de Defesa do Contribuinte

PLP 17/2022 coíbe abusos da fiscalização, obriga servidor a tratar contribuinte com cordialidade e respeito e reduz prazo de prescrição de cobrança de tributos

A relação entre o fisco e os contribuintes no Brasil tem sido marcada pela desconfiança mútua. As disputas são históricas e a arrecadação tributária ocorre dentro de um ambiente de litigiosidade.

Assim como o contribuinte deve se esforçar para evitar retardar ou reduzir tributos de forma ilegal, o fisco deve se limitar a cobrar o que é devido pela legislação, com respeito, sem abusos, analogias ou interpretações para favorecer os cofres públicos.

Para tentar restabelecer um vínculo baseado na lei e boa-fé, tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, que estabelece uma série de regras gerais sobre os direitos e garantias dos contribuintes e deveres da Fazenda Pública nas esferas federal, estadual e municipal.

Apelidado de Código de Defesa do Contribuinte, o projeto foi proposto pelo Deputado Felipe Rigoni (União-ES) e mais 31 parlamentares, já recebeu 13 emendas e será discutido por especialistas em audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação antes de ir ao plenário.

DIREITOS

Dentre os direitos dos contribuintes, o projeto estabelece o acesso facilitado ao superior hierárquico da repartição fazendária em que estiver em curso seu atendimento, proíbe o pagamento imediato de qualquer autuação e prevê o imediato exercício do direito de defesa, além de tratamento adequado e eficaz na repartição fazendária.

O texto também propõe medidas protetivas aos contribuintes, como a necessidade de emissão prévia de notificação autorizando o trabalho de fiscalização e a análise da defesa antes de uma eventual autuação fiscal.

Pela proposta, a existência de processo tributário pendente, seja na esfera administrativa ou judicial, não impede o acesso do contribuinte a incentivos fiscais, crédito oficial e participação em licitações.

O texto também traz regras para os casos em que o contribuinte é parte subsidiária ou solidária na cobrança de um tributo. Estabelece, por exemplo, que o fato de pertencer a um mesmo grupo econômico não enseja a solidariedade tributária do contribuinte.

OBRIGAÇÕES

Em relação à Fazenda Pública, o projeto determina a proibição do uso de força policial nas diligências no estabelecimento do contribuinte, sem autorização judicial. Também condiciona ação penal ou quebra de sigilo ao fim do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal do contribuinte.

O texto em discussão na Câmara altera ainda regras previstas no Código Tributário Nacional (CTN). Propõe, por exemplo, a redução de cinco para três anos do prazo de prescrição para a cobrança de tributos. O mesmo prazo de prescrição, de três anos, será usado na fase executória de localização de bens do devedor.

Por fim, o projeto prevê o uso da arbitragem para a resolução de conflitos na área tributária. Pelo texto, a sentença arbitral será vinculante e produzirá os mesmos efeitos que uma decisão judicial.

ANÁLISES

Na opinião do advogado tributarista Marco Antonio Vasquez Rodriguez, sócio da VLR Advogados, o ponto mais positivo é que a essência do projeto guarda relação com antigas reinvindicações dos profissionais que atuam na área tributária, ou seja, a necessidade de regras mais claras para o procedimento de fiscalização e garantia de atendimento eficaz das repartições fazendárias.

“O texto destaca, com muita ênfase, o dever da administração tributária de tratar o contribuinte com cordialidade e eficácia e, ainda mais importante, como uma pessoa de boa-fé. O projeto impõe limites à atuação do fisco, assegurando ao contribuinte o exercício de seus direitos, como o direito de petição, de produzir provas e, inclusive obter indenização por danos materiais e morais em caso de atos praticados por servidores públicos, o que representa um grande avanço contra atos abusivos”, resume o advogado.

A redução de cinco para três anos do prazo da prescrição para a cobrança de tributos é outro ponto importante destacado pelo advogado, que faz algumas ressalvas. Na sua opinião, a proposta deverá receber várias modificações, principalmente na redução do prazo de prescrição de cobrança, e sofrerá forte resistência por parte das entidades que representam as autoridades fiscais e do próprio governo.

APERFEIÇOAMENTOS

A pesquisadora do Núcleo de Tributação do Insper, Maria Raphaela Dadona Matthiesen, também vê com bons olhos o PLP 17/2022, mas acha que o texto pode ser aprimorado. A especialista chama a atenção para o artigo 16 do texto, que prevê uma espécie de “pré-auto” a ser submetido ao contribuinte para que apresente os elementos de defesa antes da efetiva instauração do litígio.

“Embora essa previsão seja muito positiva, o prazo de cinco dias para a apresentação de defesa prévia é curto, insuficiente para que o contribuinte levante de forma consistente os elementos fáticos e documentais capazes de contestar a autuação prévia e exerça de forma plena e eficaz seu direito à defesa prévia”, alertou.

Na opinião da especialista, seria relevante prever que o “pré-auto” submetido à defesa prévia contenha a descrição de todos os aspectos fáticos e de direito apurados na fiscalização, além da quantificação do suposto débito tributário. Essas pequenas alterações viabilizariam uma discussão mais aprofundada na defesa prévia, aumentando o potencial do instrumento para evitar o litígio.

Nessa linha, a pesquisadora do Insper também propõe alterações para que se estabeleça a suspensão do processo administrativo fiscal até que seja julgada a defesa prévia, sob pena de esvaziar a defesa ou torná-la uma mera formalidade.

“Essa alteração poderia ser alinhada à previsão de prazo para julgamento da defesa prévia e à possibilidade de realização de reuniões com o contribuinte para o esclarecimento de eventuais dúvidas quanto aos elementos de defesa apresentados e para a tentativa de composição entre as partes”, destaca.

AUTOS DE INFRAÇÃO

O artigo 25 do projeto proíbe a Fazenda Pública de lavrar auto de infração contrário a enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sob pena de responsabilidade funcional do servidor. A mesma vedação se estende aos autos de infração contrários a acórdãos proferidos por esses tribunais em julgamento de recursos repetitivos.

De acordo com a advogada, essa sugestão está em linha com a recomendação feita no Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro CNJ/Insper, sobre a criação de lei estendendo aos demais entes públicos a dispensa de constituir créditos tributários, contestar e recorrer em processos judiciais tributários, nos casos de julgamentos proferidos em controle concentrado de constitucionalidade e recursos repetitivos definitivos proferidos pelo STF e STJ.

“Por se tratar de lei complementar e, portanto, de caráter nacional, tal previsão alcançará estados, Distrito Federal e municípios. Nesse sentido, seria relevante incluir na previsão do inciso do artigo eventuais súmulas dos tribunais administrativos de julgamento tributário nos estados, municípios e no Distrito Federal, à semelhança do que foi previsto para o Carf”, sugere.

AUDIÊNCIA PÚBLICA

A primeira convidada para debater a proposta na audiência pública prevista para ser realizada na Comissão de Finanças é Zabetta Macarini Carmignari, do Grupo de Estudos Tributários Aplicados (Getap). Também deverão participar representantes do Sebrae, Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Comércio (CNC), Sindifisco e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

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